Extraído de “POESIA CLÁSSICA CHINESA – DINASTIA TANG: APRESENTAÇÃO, ALGUNS POEMAS”, por RICARDO PRIMO PORTUGAL e dos “Poemas Clássicos Chineses”, tradução e organização de Sérgio Capparelli e Sun Yuqi, L&PM Pocket.

Adeus a Meng Haoran
A oeste do pavilhão da Grua Amarela,
despedimo-nos, velho amigo.
Entre as flores e a bruma de março,
desces rumo à aldeia de Yang.
A vaga silhueta de tua solitária vela
desaparece no espaço esmeralda,
e só resta o Grande Rio
a correr para os confins do céu.
Adeus a um amigo que parte
As montanhas azuladas
bordejam as muralhas ao norte.
A água cristalina
contorna as muralhas ao leste.
Nesse lugar
nos separamos.
Você, erva errante,
por milhares de li.
Nuvem flutuante,
humores vagabundos,
o sol que se vai,
velhos amigos que se afastam,
nós dois nos acenando
na hora da partida.
E mais uma vez
relincham os nossos cavalos.
A Du Fu, da aldeia de Shaqiu
Enfim, por que
estou aqui?
Vivo retirado
na aldeia de Shaqiu.
Ao pé das muralhas,
apenas árvores seculares.
Nelas, dia e noite,
a voz do outono.
O vinho de Lu
não chega
a me deixar bêbado
e os cantos comoventes de Qi
não tocam
mais meu coração.
Minhas saudades
são como as correntes
do rio Wen,
apressadas, sem descanso,
rumo ao sul.

Na casa da senhora Xun
Hospedo-me
ao pé da montanha dos Cinco Pinheiros.
Profunda solidão
e nada para me alegrar…
Rude é o trabalho
dos camponeses
no outono.
Ouço a mulher
da fazenda vizinha
socar o trigo,
na noite fria.
A mulher que me hospeda se ajoelha
para me oferecer
uma tigela de arroz.
Os grãos brilham
como pérolas
sob a lua.
Perturbado,
eu me lembro daquela lavadeira
que ofereceu ao seu visitante
uma tigela de arroz.
Agradeço uma, duas, três vezes,
não, obrigado, não posso aceitar.
Lamento da escadaria de jade
Degraus de jade nasce o branco orvalho
tardia noite a entrar nas meias seda
Baixa a cortina em contas de cristais
lua de outono vaza em transparências.
Canção da Dama do Sul
as águas ao luar no lago-espelho
na margem branca a dama à beira neve
o robe abrindo-se ao bater das ondas
onde cintila o brilho ali ressoa

Canto antigo (a oeste eleva-se o Monte do Lótus…)
a oeste eleva-se o Monte do Lótus
ao longe Estrela assoma inteira tocha
a flor sagrada a alva mão tomara
ao passo etéreo no Grande Vazio
o robe em faixas abre-se arco-íris
flutua vento ao caminhar celeste
ela convida às nuvens o terraço
para saudar o imortal Wei Shuqing
vagar vagar segui-la em seu percurso
do cisne ao dorso surge a obscura esfera
e ainda abaixo ao rio vê-se Luoyang
bárbaros tropas fileiras sem fim
a erva selvagem em sangue regurgita
lobos chacais a sanha no comando
Beldade no Caminho
O cavalo
empertigado
marcha sobre as flores
caídas.
Meu relho no ar
roça as nuvens.
Bela, a menina
que abre a cortina de pérolas
aponta, ao longe,
com um sorriso,
a casa vermelha:
“É lá que eu moro”.

Visita ao Monge Taoista
Os latidos do cão se perdem
no rabulho da água
de depois da chuva.
A flor do pessegueiro
cobre-se de orvalho.
No fundo da floresta,
vez em quando,
aparece um cervo.
Perto da torrente,
ao meio-dia,
sinos emudecidos.
A ponta fina dos bambus perfura
a névoa azulada.
A cascata se agarra
ao pico esmeralda.
Ninguém sabe dizer
aonde ele foi,
e eu aqui, triste,
apoiado
ao tronco do pinheiro.
Contemplando o Monte Tianmen
Parece que o monte Tianmen
partiu-se, de propósito, em dois,
só para deixar correr
o Grande Rio.
As águas verdes
que se dirigiam para o leste
voltam-se aqui, rápidas, para o norte.
As duas falésias azuis
nas margens
erguem-se,
e lá embaixo
um resto de sol ilumina
um barco solitário
nas águas ensombradas.
